Uma Só Palavra, a peça original a que o presente volume dá pela primeira vez forma pública, constitui uma surpreendente criação dramatúrgica, onde a ficção cénica se alimenta da memória histórica, transfigurando-a, graças ao gesto da escrita inventiva. Joana Liberal, escritora e atriz, docente universitária e investigadora em Direito, convida-nos a esse exercÃcio livre da imaginação guiada pelo rigor inquieto da evocação histórica, num domÃnio de estudos em que é especialista, e que em Uma só palavra partiu de um convÃvio prévio, enquanto pesquisadora e biógrafa, com o percurso do diplomata português José Manuel Pinto de Sousa (1754-1818), que serviu de modelo para a personagem central de Miguel de Sousa. A autora modificou subtilmente o nome próprio, acentuando que este Miguel é uma personagem da sua ficção cénica, mesmo que essa mesma ficção tenha por estÃmulo de partida uma personalidade histórica que ocupou o palco dos vivos, e fez um trânsito existencial análogo ao de Miguel de Sousa, conduzindo-o a Coimbra académica e lusitana à Roma nevrálgica do xadrez polÃtico europeu, em tempo de ofensiva napoleónica. Mas nesse tempo de invasões bélicas que sequestram a cidade-cérebro do mundo católico, é da arte teatral que, na fábula da peça, irrompe o gesto ético mais espantoso e radical, operado pelo personagem de Tiago, um ator português e carismático em terras de Itália, invenção magnÃfica de Joana Liberal. A finalidade sem fim da criação artÃstica pode ela ser o espaço gerador do mais desprendido e salvÃfico dos gestos, em que o ator protagoniza, na sua vida a prazo, o deliberado sacrifÃcio de si em nome dessa modalidade de amor chama amizade?