Sátira é gênero pré-moderno de difÃcil definição. Pode-se, porém, destrinchar séculos de cultura e resumir: ela traz ataques aos vÃcios da sociedade flertando com o grotesco e o obsceno; favorece a mistura de estilos e a fabulação inverossÃmil. Dos satÃricos antigos (de ArquÃloco a Luciano e Pérsio), extrai-se uma silhueta da sátira para flagrá-la na modernidade. Analisar textos de Swift e Voltaire é chegar da sátira antiga ao conto filosófico iluminista e além.
Por exemplo, à passagem ao Brasil, onde vira gênero privilegiado da cultura do XIX e inÃcio do XX. Basta lembrar de nossos satÃricos, de Martins Fontes a Lima Barreto, de Porto-Alegre a João do Rio, de Macedo a Machado de Assis. O que explica o pendor brasileiro ao satÃrico?
Neste livro, tenta-se responder a tal questão pela história concreta: num paÃs de pouquÃssimos leitores, teatro e jornais apostaram na leveza cômica e na crÃtica desbragada para atingir público amplo. A transposição do clima polÃtico galhofeiro europeu é um pedaço da história. O importante é percorrer obras de Macedo (A luneta mágica), Machado (Memorial de Aires, PÃlades e Orestes...) e Raul Pompéia (O Ateneu) para flagrar a fabulação satÃrica transmudada para solo e alma brasileiros. Bem como traços da raiva e do riso devotados à impostura de alpinistas sociais e meritocráticos - eis a Teoria do medalhão, o Alienista, os homens que sabem javanês e a sociedade que condena Policarpo Quaresma pelo crime de... idealismo. Eis a saga completa.
Sobre o autor: André Luiz Barros da Silva é professor de Literatura Brasileira da UNIFESP. Autor de Sensibilidade, coquetismo e libertinagem (2019), investiga transformações culturais que levam a uma modernidade problemática em autores como Diderot, Sade, Voltaire, Machado, Pompéia ou João do Rio. Traduziu Novelas trágicas, de Sade (2018).